segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Parte V – Embate (a)


Distraído em seus pensamentos, o rapaz não percebeu quando começou, mas chovia torrencialmente e, na estrada deserta entre duas matas fechadas, havia um carro de polícia o seguindo e fazendo sinal para que parasse. Ainda levou alguns segundos para que o rapaz voltasse a si e soubesse o que fazer. Abaixou o volume do som ao passo que diminuía a velocidade do veículo até parar. Sara o fitou com um semblante que mesclava o assustado com o preocupado enquanto o pessoal perguntou o porquê da parada, mas logo perceberam do que se tratava. Abriu o vidro enquanto tranqüilizou a garota com um sorriso discreto e virou o rosto para o lado do vidro que acabara de abrir aguardando a abordagem de um oficial. Uma mulher alta, de cabelos loiros longos e ondulados, de belas formas notáveis mesmo sob o uniforme da polícia militar, um semblante sensual estampado na face alva, aproximou-se do carro e apoiou-se com o braço esquerdo sobre a janela olhando nos olhos do rapaz.
- Boa noite – Sua voz completava o perfil sedutor apresentado por sua aparência – Documentos! – Prosseguiu sem esperar resposta do rapaz atônito.
- Um instante, por favor – Sussurrou o rapaz com voz mais fina que o comum dirigindo-se ao porta-luvas com o intuito de pegar seus documentos.
Em câmera lenta, o rapaz olhou para Sara enquanto abria o porta-luvas e sentiu uma fisgada no peito devido à expressão da garota. Ela mostrava um medo e um terror sem tamanho amuando-se no canto oposto do carro, segurando um grito. Em seguida, o rapaz sentiu uma mão gélida o agarrando pelo pescoço como a presa de uma águia, puxando-o com tamanha violência que foi capaz de arrebentar o cinto de segurança. Ouviu o barulho de vidro se quebrando. Ao passo que o medo do rapaz aumentava uma voz roca e diabólica sussurrava palavras indecifráveis em seus ouvidos. A voz vinha de dentro de sua cabeça. De dentro de seu conturbado coração. Sentiu o mundo girar. Sentiu dor. Uma lâmina fria atravessou seu antebraço esquerdo enquanto estava ainda com os olhos fechados.
- Balzak – A voz sedutora sussurrou no seu ouvido.
Abriu os olhos e sua turva visão o permitiu ver que estava deitado há poucos metros do carro, com a mulher posta com o joelho esquerdo sobre seu peito e um punhal prateado cravado no seu antebraço. Ela sorriu, parecia estar se embriagando com o cheiro de sangue. O rapaz olhou para o carro ouvindo gritos de medo de seus amigos. O pavor e o ódio que estavam tomando conta do rapaz foram interrompidos pela dor de outra punhalada da mulher, esta em seu abdômen. Sentiu mais dor do que imaginava. Fechou os olhos para rezar, para pedir ajuda. Viu novamente a imagem assustadora que o fizera cair no banheiro pela manhã. Permaneceu com os olhos fechados para perceber detalhes da imagem.
Um rosto largo de um homem de barba negra e quadrada, traços fortes, semblante raivoso e dotado de um par de grandes chifres negros curvados para frente tentava falar com o rapaz. O dono da voz roca e diabólica. Cada palavra da face, mesmo que não compreendida faziam o temor e a raiva aumentar assustadoramente no coração do garoto.
Um som alto de freio de caminhão seguido por um estardalhaço de metal e vidro se chocando contra o asfalto. Som de explosão. O rapaz ficava cada vez mais apavorado, dividido entre a preocupação com seus amigos e o pavor terrível de tudo o que estava acontecendo e nada entendia. Sentiu-se sendo jogado várias vezes de um lado para outro, chocando-se a superfícies de todas as espécies, se ferindo ainda mais. O barulho das ferragens se chocando durou um longo tempo, e  foi parando ao passo que o calor aumentava consideravelmente junto do forte cheiro de fumaça que passou a contaminar o lugar.
Ajoelhado no acostamento, abriu os olhos novamente e mais uma vez se assustou com a cena. Do lado oposto da rua, o carro de seu amigo capotado e todos lá dentro feridos, pedindo por ajuda. Mais adiante, na estrada, uma imensa carreta de combustível capotada em chamas formando um “L”. O asfalto todo degradado pelo acidente. Manchas de sangue. Fogo em todos os lugares. A mulher, atrás das chamas da carreta, que erguia mesmo concorrendo com as águas da chuva, manipulava o punhal prateado com a mão direita enquanto mexia nos cabelos com a mão esquerda.

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