terça-feira, 7 de setembro de 2010

Prólogo - Fenrir


O céu estrelado aos poucos foi coberto pela nuvem negra de fumaça. Os sons dos pássaros foram aos poucos substituídos pelos gritos desesperados de um povo outrora feliz com o desenvolvimento do vilarejo ao pé da montanha de Cindária. Cada passo largo do gigante algoz fazia com que cada habitante ainda vivo pedisse pela morte. Com mais de três metros de músculos, sujeira e maldade, vestia um peitoral de ferro moldado às suas formas exageradas, empunhava um machado desproporcionalmente grande, mesmo para seu tamanho. Descalço, de cabelos longos e ensebados, pelos escuros sujos de sangue e podridão, várias feridas abertas contornavam seu corpo nojento, a mandíbula protuberante facilitava a escorrer uma secreção viscosa por entre os dentes salientes enquanto os olhos vermelhos fitavam os reforços que chegavam das cidades vizinhas como suas novas presas.

Os honrados guerreiros trajando suas armaduras de metal com o símbolo de Charmon cravado no peito empunhavam os escudos e as espadas confrontando principalmente seus medos, o medo comum entre eles, o medo de Zago, o impiedoso. O que estava diante de seus olhos era uma lenda viva que já somava mais de dez mil vidas ao longo dos anos nos montes de Charmon e nos desertos de Theothos.

Liderados por um corajoso comandante, os guerreiros seguiram as ordens para avançar contra o monstro. Todos juntos. Os olhos da besta fervilharam de prazer ao ver aqueles homens correndo em sua direção, enquanto os atacava com extrema brutalidade, jogando-os ao ar. Cada golpe que o bruto dava com o machado derrubava e arremessava vários soldados e os golpes que sofria ele parecia ignorar completamente. O pensamento que passou pela cabeça de todos nada mais era do que dizia a lenda, Zago é imortal.

Em meio ao massacre, um jovem sacerdote vestido em trajes vermelhos e brancos afastou um soldado gravemente ferido para prestar auxílio quando o mesmo, com apenas um olho aberto, sorriu e disse ao sacerdote:

- Ele perdeu...

- Como assim? – perguntou curioso o sacerdote.

- Zago, ele perdeu...

- O que está tentando dizer? – perguntou o sacerdote, dessa vez um pouco eufórico.

- O Punho de Charmon está chegando, Zago perdeu...

- Não me diga que... – olhou para os lados à procura de um cavaleiro qualquer que fosse vestindo uma armadura prateada com detalhes dourados, como era descrito nas histórias, sem sucesso – amigo, vou ajudar você, infelizmente o Punho de Charmon não está vindo – sussurrou desanimado.

- É você que está olhando para o lado errado – apontando para o alto – olha lá.

Virando o rosto, ao mesmo tempo em que ouviu o estrondoso chilrear, o jovem sacerdote sentiu um misto de espanto e esperança, vislumbrando o imponente animal cavalgado pelo guerreiro de armadura prateada repleta de detalhes dourados, trazendo na lança a bandeira de Charmon.

Como um relâmpago sobre as cabeças dos soldados, a águia gigante chegou cravando suas garras nos braços do ogro antes mesmo de perceber o que estava havendo e antes que pudesse reagir percebeu a lança atravessando seu corpo. Largou o imenso machado e sentiu-se caindo, frustrado, confuso. Antes mesmo de o bruto cair, a águia já estava distante, fazendo a volta para pousar por perto.

Sem ação, os habitantes, os soldados e os sacerdotes apenas olhavam o Punho de Charmon descer de sua nobre montaria, a belíssima armadura era bem maior do que imaginaram quando viram no céu. Caminhou lentamente até o ogro enquanto tirava o elmo que formava a mandíbula de um dragão, revelando um rosto pardo, largo, com semblante firme, olhos azuis e longos cabelos loiros que, suavemente, seguiam o curso que os ventos mandavam. Pisou com o pé esquerdo no imenso braço direito da besta enquanto o pé direito forçava seu peito ao lado de onde a lança estava. Segurando firmemente a lança, olhou nos olhos do ogro encarando-o:

- Para a sua sorte, eu não tenho o mesmo título que você, e isso também não é pura piedade – sem mudar a expressão, prosseguiu com a voz grave e firme – eu sei bem a sua importância para a cultura deste continente, mas isso não será suficiente para que eu não acabe com a sua raça se você se atrever a incomodar o meu reino novamente – puxou a lança com força extraindo do monstro ainda mais um urro. Saiu de cima dele olhando para sua companheira – Fayeagle, jogue o lixo, por favor – deu as costas enquanto a águia gigante agarrava a besta e a levava para longe e foi ajudar os feridos.

- Fenrir, o Punho de Charmon, assim como Zago, ele é uma lenda viva, ao menos ele está do nosso lado. O deus dragão não escolhe mal os seus devotos – disse o sacerdote ao guerreiro ferido enquanto cuidava de suas feridas.

- Obrigado pela ajuda sacerdote, mas não se esqueça de meu nome. Neste mundo como você já o conhece, quem sobrevive se torna lenda, e eu pretendo sobreviver, assim como Fenrir sobreviveu até hoje. Não sei do que é que me chamarão, mas eu também serei uma lenda viva – disse o guerreiro enquanto fechava o olho que ainda mantinha aberto, com um sorriso de satisfação no rosto.


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