segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Parte V – Embate (b)


Com o joelho direito no chão e a mão direita pressionando o ferimento no abdômen, o rapaz suportava a chuva torrencial e a dor lacerante usando como motivação a ira que fervilhava em seus olhos. Devagar foi se levantando à medida que suas roupas, agora estraçalhadas, eram embebidas no seu próprio sangue. Sem saber o porquê, sentiu um êxtase descontrolado com o cheiro de sangue e a vontade de avançar contra a mulher como um animal.
Partiu em disparada, mesmo observando apenas a silhueta através das chamas, por um segundo esquecendo-se das possíveis vítimas no caminhão e de seus amigos no carro. As chamas se expandiram de forma assustadora quando o rapaz passou em seu seio e ao sair, do outro lado, ainda com algumas labaredas partindo de suas costas lembrando a forma de um par de asas, olhou fixamente nos olhos da loira que pôde ver o inferno dentro dos olhos do rapaz. Ela tentou dispor a faca brilhante e mortal de modo a golpear a garganta dele e embora tivesse conseguido, não pôde evitar que ele também a atingisse. A mão esquerda do rapaz, ensangüentada, que saía pelas costas dela, era iluminada pelas chamas inextinguíveis e o brilho funesto da lua que insistia em aparecer mesmo por trás das nuvens carregadas da tempestade, exteriorizavam a idéia macabra que, até então, apenas seus olhos mostravam.
Apenas peso do corpo dela foi capaz de fazer com que ela fosse rumo ao chão, retirando lenta e involuntariamente a faca do pescoço do rapaz, que a segurou com o braço direito na medida em que retirava o braço esquerdo da ferida brutal que acabara de fazer. As chamas que envolviam o corpo do garoto percorriam suas feridas cicatrizando-as de forma milagrosa ao passo que seu semblante, lentamente, se tornava mais humano. Com a mulher deitada no chão, o rapaz ajoelhou-se olhando no fundo de seus olhos. A aparência dela também estava mudando, porém, nada a ajudava com as feridas.
- Eu... – Tentou falar ao garoto com um esforço heróico.
- Não diga nada! – Interrompeu o rapaz colocando suavemente sua mão sobre o rosto da mulher – Não esperava que fosse assim, mas isso não muda nada do que sinto por você – O olho esquerdo do rapaz, lacrimejando, começou a dizer cada vez mais alto o que uma parte dele sentia – Se um dia eu puder me livrar desse destino, nos encontraremos novamente, e eu espero que nenhum espírito perturbado possa vir a nos separar novamente – As lágrimas de seu olho caíam no corpo da mulher, que parecia mais tranqüila a cada instante – Não me espere na eternidade, pois eu posso demorar.
O rapaz levantou-se e virou-se de costas para a mulher no chão. Seu rosto todo esticou de forma a deixar seus olhos similares a orientais, seus traços mudaram e a íris ficou avermelhada. Abaixou a cabeça e ergueu o braço direito com a palma aberta enquanto as chamas que resistiam à tempestade se erguiam como se estivessem vivas. Os músculos do braço começaram se contorcer ao passo que as chamas se engalfinhavam em um imenso vortex macabro no céu. Fechou a mão e abaixou o braço bruscamente, como se estivesse controlando as chamas, que por sua vez, desceram abruptamente do céu se chocando de forma violenta contra o corpo inerte da mulher, explodindo absurdamente logo em seguida. O corpo e o semblante do rapaz, aos poucos, começaram a voltar ao normal, e ele começou a sentir as dores. A tempestade começou a vencer as chamas, que se extinguiram em poucos instantes.
Uma voz doce e melodiosa sussurrava ao longe nos ouvidos do rapaz que, confuso, começou a olhar para todas as direções à sua procura. Cada segundo que se passava, a preocupação com os envolvidos no acidente aumentava equivalentemente às dores no seu corpo. A água que caía derradeiramente começou o ferir gravemente. O garoto, por sua vez, não suportou a dor e desmaiou. Choveu sem parar por mais muito tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário