sábado, 27 de fevereiro de 2010

Conto de Universitário Parte I


Ajoelhando-se com a perna direita, com os olhos cheios d’água segurou o crucifixo apertando-o contra seu peito. A luz da lua cheia refletiu de forma sobrenatural no objeto enquanto o garoto sibilava uma prece. Suas feridas no braço direito e nas pernas o faziam delirar de dor, nada que já não tivesse suportado antes. Quase caindo para frente, com a franja tapando seu rosto, após a oração pediu desesperadamente:
- Deus, por favor, perdoe-me pelo que irei fazer agora, mas de forma alguma me ajude. – Uma lágrima desprendeu-se de seu olho esquerdo ficando para trás enquanto correu no meio da multidão de encontro ao carrasco. As vozes das pessoas pareciam se misturar a ponto de não fazer sentido algum nada que dissessem. As paredes, a grama, as colunas, as pessoas e o céu pareciam se misturar em sua visão, distinguindo somente o sanguessuga e sua presa do restante.
Deslocando seu corpo magro entre pilares e transeuntes como um espectro, saltou por sobre um cesto de lixo e pegou impulso com as pernas em uma coluna chegando até o homem de vestes vermelhas que carregava um sorriso debochado tanto para o garoto quanto para sua presa.
Sem dizer uma só palavra o homem ergueu o braço direito de modo a preparar um ataque ao rapaz de preto. Antes do golpe, o garoto estendeu também seu braço direito, mas na direção do rosto do homem. Antes que os olhos da menina pudessem piscar o homem estava no chão, o garoto com a mão direita segurando firmemente seu rosto e o joelho esquerdo sobre a garganta. À medida que o medo tomava conta do coração da jovem o ódio preenchia a alma do rapaz, algo que a vermelhidão de seus olhos demonstrava claramente.
- O... O que você é? O que fez a si mesmo? - Perguntou o homem apavorado por entre os dedos do rapaz.
- Você não deveria ter feito essa pergunta, eu poderia tê-la respondido, e nem mesmo morto você teria paz. Não que você merecesse, mas isso não vem ao caso. Sua hora não chegou ainda, mas eu não me importo com isso... - Sibilou o garoto com calma enquanto posicionava sua mão esquerda disposta como uma garra na garganta do homem, pouco acima de onde a apertava com seu joelho. O homem não conseguiu resistir e mostrou seus caninos pontiagudos tentando gritar. Suas unhas cresceram como garras de uma besta, porém tanto suas presas quanto suas garras não foram suficientes para livrá-lo do aparentemente inevitável.
A garota deixou que seus cabelos dourados caíssem sobre seu rosto para esconder as lágrimas que verteram sem cessar. A torrente de emoções que o momento a trouxe fez com que suas pernas não suportassem e ela caiu de joelhos, atônita. A linha de sangue que cruzou diagonalmente contrastava drasticamente com o brilho da lua cheia refletido em seu vestido branco e turquesa.
Virando-se de frente para a menina em prantos, o temor outrora nela era aparente em sua face agora marcada pelo álibi do homicídio. Ainda com os olhos vermelhos, mas agora arregalados, as pontadas nos braços e pernas o faziam lembrar-se do atropelamento, e ainda assim, não se desconcentrava a ponto de tirar sua atenção do que acabara de fazer a aquela criança. Sentindo o peso e a dor do remorso maior do que as escoriações do acidente que sofrera há pouco, soltou um urro desesperado, tão alto que foi capaz de chamar a atenção dos transeuntes que até então não davam a mínima para o que acontecia. Cravou os cinco dedos da mão direita em seu peito tentando trazer a si mesmo o destino que acabara de impor ao homem de vermelho, sem sucesso, mas tudo foi parecendo mais confuso a cada segundo.
Abriu os olhos, enxergou uma parede branca, suas pernas e seu braço direito pareciam ter adormecido. Olhou para os lados e viu tudo um pouco embaçado. Esfregou os olhos com a mão esquerda enquanto o braço direito e suas pernas, formigando, iam recuperando os movimentos. Do lado esquerdo uma parede salmão e uma persiana de metal, de um vermelho escuro, aberta de onde entrava a luz do sol do meio dia. Do lado direito a porta de mogno com alguns enfeites natalinos encostada, e a esquerda dela o guarda roupas pequeno também mogno. No lado do pé da cama, uma cômoda bege de cinco gavetas com uma TV de 20’ preta um pouco empoeirada sobre ela. Voltou a olhar para o teto do quarto e reparou na lâmpada queimada dentro do globo. Finalmente desprendeu-se do pesadelo que o incomodava por anos e reconheceu seu quarto. Sentou-se na cama de solteiro ainda fazendo cara de dor devido ao formigamento das pernas e do braço direito, estava sem camisa e com um short pequeno.

2 comentários:

  1. "Uma lágrima desprendeu-se de seu olho esquerdo ficando para trás enquanto correu no meio da multidão de encontro ao carrasco." — Chorou de um olho só :D

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